Um espelho nunca refletirá a profundidade de nossa alma oculta em
nosso rosto.
Com seres humanos estamos condenados a morrer sem ver
diretamente nossa cara. Para isso, dependemos de um espelho que reflete nossa
imagem.
Podemos ver qualquer outra parte de nosso corpo, mas não
nosso rosto, nossos olhos e as expressões dos mesmos.
E o mais importante de nossa personalidade são os
sentimentos que manifestamos através deles.
Por que essa condenação da natureza?
Quis trazer essa obviedade a minha coluna para frisar a
importância simbólica do “outro ou outra”, indispensável para saber o que
“somos”, em uma sociedade na qual esse outro é visto cada vez mais como um
inimigo, sobretudo se não pensa, vive, come e acredita como nós.
Ou se sua pele não é da cor da minha.
“Eu sou a VOZ”, a única que vê meu rosto sem necessidade de
espelhos.
Frisar nesse momento a importância do outro é contradizer a
corrente moderna de querer “diferenciar-se” dos demais, da louca busca de
identidade.
Daí surge a nova moda de ostentar o que o outro não tem,
para sentir-se diferente, como cita o filósofo francês, Yves Michaud.
A realidade, entretanto, é que sempre estivemos condenados a perguntar a quem
está do nosso lado a cor de nossos olhos, e sobretudo o que somos capazes de
expressar com nosso olhar.
Se é certo que somente meu próximo pode me dizer como é meu rosto quando rio ou
choro, quando sofro ou alegro-me, quando transpareço ódio ou amor, esse “outro”
imbui-se de importância inédita.
Nós devemos a ele, já que sem sua ajuda seríamos capazes de ver nossa cara
somente na fria superfície de um espelho.
Esse “que bonito rosto tem, você!”, ou “como está triste!”, o mais perfeito dos
espelhos ou fotografias nunca poderão me dizer.
Nosso próximo é o melhor leitor, às vezes o único, de nossos sentimentos.
Se o rosto é o “espelho da alma”, somente o outro é capaz de nos dizer como
somos, já que ele é testemunha direta de nossa cara, de cada luz ou sombra de
nossos olhos.
Sartre se enganava quando escreveu que “o inferno são os outros”.
Quando muito, o inferno somos nós quando negamos a importância de nossos
semelhantes, os únicos capazes de nos lembrar, nas noites escuras, que também
existe a esperança.
Um espelho nunca refletirá a profundidade de nossa alma manifesta ou oculta em
nosso rosto.
Os espelhos também mentem e, além disso, suas mentiras
nunca nos brindam com um acréscimo de generosidade.
Refletem a pura e estática materialidade.
Somente os que nos rodeiam, nossos próximos, sabem ler além da expressão de
nosso rosto.
Somente eles são capazes de interpretar o drama que se realiza na outra parte
da tela de nossos olhos, no teatro oculto de nossa existência.
E somente o próximo é capaz, não os espelhos, dessa
generosidade que às vezes precisamos para nos reconciliar com nós mesmos, porque
os espelhos não sabem mentir para nos consolar.
Somente uma mãe é capaz de inventar para dizer ao seu
pequeno que ele é lindo, divino, o mais bonito do mundo, para aliviar os
pesares e insegurança que já traz acumulados desde seu ventre do qual nasce chorando.
Nenhum remédio ou terapia é melhor para nos consolar do que
a apreciação amável, as doces mentiras do amigo que te diz o que estava
precisando ouvir naquele determinado momento, mesmo que não seja verdade.
E nenhuma terapia é melhor contra nossa arrogância ou nossa
vaidade do que a sinceridade da pessoa que lê a verdade em sua cara e a diz sem
mentir e sem te ferir.
Se o ser humano, entre todos os animais, é o que nasce mais
frágil, incapaz de sobreviver sem os cuidados alheios, isso deve ter algum significado.
O próximo é tão indispensável entre os humanos que sem ele
nem sequer conseguiríamos viver algumas semanas.
E se é assim quando nasce, não será assim também quando adulto, ao longo da
vida?
É uma verdade que quebra nossa onipotência e que nos revela
melhor do que qualquer filosofia que sem os outros somos lançados ao vazio.
Mesmo que pareça um paradoxo, esse ardor moderno de querer
nos distanciar e diferenciar acaba se chocando com a realidade de que somente
através dos outros podemos adquirir nossa verdadeira identidade, que se forja
não na solidão e separação dos outros, mas na aproximação e no abraço.
E quando falamos do próximo, não fazemos distinções.
Precisamos dele seja branco ou negro, pobre ou rico, analfabeto ou sábio,
religioso ou ateu, criança ou velho.
Sem o outro, nos restaria somente o espelho, mas os
espelhos não amam, nem se sacrificam por ti, não te sorriem e beijam.
Por isso:
Eu
sou a "VOZ DE MARATHAYSIS".
Porque sem ela e sem sua cumplicidade eu não saberia bem
quem sou.
“Sandra Gabi”
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